Por Vanessa Henriques
— Empresta esse lápis? — diz a moça praticamente já levando embora meu melhor lápis.
— Se eu disser não vai mudar algo? — replico, mas ela já está longe aproveitando uma ponta apontada à perfeição, geométrica na medida, e macia no escrever. “Já devolvo” ela disse lá de longe, ignorando minha frustração por saber que era a última vez que veria o lápis.
Emprestar é furada, todo mundo sabe. Pode ser uma coisa simples como um lápis, ou elaborada como um vestido de festa, só de olhar para a cara da pessoa você já sabe se o objeto volta ou não volta, e em qual estado. A vontade é de sair correndo, sei lá, fingir que teve um surto psicótico e não tocar mais no assunto, para ver se esquecem do empréstimo.
Pelo menos essa é a minha vontade, e já aviso que sou apegada a bens materiais de baixo valor agregado. Só de ouvir o canto doce do “Posso te pedir uma coisa emprestada?” sinto um frio na barriga e já imagino minha existência sem a coisa em questão.
Lembro-me do dia em que, conversando entusiasmada com um amigo, citei um livro da Clarice Lispector que havia lido e adorado. Sem perceber, já tinha me comprometido a emprestá-lo na mesma semana. Mas eu acreditei que veria o livro novamente. Era meu colega de faculdade, nos falávamos quase todos os dias. Resultado: nunca mais vi o livro, muito menos o colega.
Pior ainda foi uma amiga, que emprestou um livro e alguns anos depois o encontrou, em uma visita despretensiosa ao sebo. Não tinha como existir mais de uma Renata que costumava escrever seu nome na orelha da contracapa, com aquela letra cursiva, a lápis, acompanhado do ano da leitura.
Só que livro não é nada, o que dá briga feia é não devolver tupperware. Ainda mais se for tupperware® mesmo, original, daqueles que você comprava indo na reunião ou folheando catálogo! É o motivo nº 1 de brigas entre vizinhos e parentes.
— Você gostou do bolo que eu te dei?
— Adorei, estava uma delícia! Depois eu quero a receita!
— Quando você me devolver a tigela eu te passo a receita.
Chantagem é uma boa estratégia para conseguir a bendita tigelinha de volta. Mas, infelizmente, nem sempre temos uma receita de bolo invejada para usar de refém. O jeito é guardar embalagem de manteiga, marmita de isopor ou copo de requeijão e utilizá-los no momento oportuno. Facilmente substituíveis, ainda permitem que se passe por uma alma benevolente dizendo “não precisa devolver”.
Só não vale se apegar ao pote de sorvete!
Faltou dizer que o livro da Clarice Lispector tinha anotações VALIOSAS de sua irmã nas bordas de um dos contos! 😉
Adorei, Vanessa!
Por que é tão difícil dizer “não” quando a gente tem aquela desconfiança de que não vai receber de volta aquilo que nos foi pedido. Normalmente são coisas de “pequeno” valor e aí… a gente não quer parecer mesquinho. Ah, acho que vou mudar esse jeito de pensar e quando bater a tal desconfiança, direi o “não”.
[…] Seria possível relembrar algumas coisas, pensei comigo, afinal foram aulas e mais aulas anotadas no caderno, além das apostilas, CDs e livrinhos guardados. Seria possível se não fosse impossível, já que emprestei meu caderno e apostila para uma colega que jamais me devolveu. Cobrei uma, duas, três vezes e nada. Ficou de passar na minha casa pra devolver. Depois de passar no meu trabalho. No fim eu já tinha entendido que não voltaria a vê-los. Quem mandou emprestar? […]