Por Vanessa Henriques
Se você não suporta o som do estalar de dedos, sugiro que pare de ler por aqui, pois o que se segue é um texto cheio de clacs e crecs. Eu era uma dessas pessoas até que, por insistência da minha irmã, parei de sentir dor e comecei a sentir prazer em estalar os dedos: primeiro as falanges maiores, depois as maiores, até chegar ao nível avançado e conseguir estalar todas de uma vez só. Ou mesmo o dedão, que pode ser mais traiçoeiro.
Os motivos pra estalar são vários: nervosismo, tédio, ativar a concentração, quebrar o silêncio… mas o mais triste de tudo é que, uma vez estalados, você vai ter que esperar um pouco (um muito, dependendo do nível de ansiedade) para conseguir fazê-lo novamente. Pesquisei no Google: 20 a 30 minutos para estalar de novo, isso porque nossas articulações são envoltas numa espécie de cápsula que contém gases que estouram ao dobrar ou estalar, e que demoram esse tempo para se reunirem novamente. Ninguém confirma nem nega se faz mal estalar os dedos: desconfiam que desgaste as articulações e cause artrite ou artrose, mas nada confirmado. Ufa.
Esse é um costume que me lembra muito minha vó. Ela costumava pegar nos dedos dos pés dos netos que estavam deitados no sofá e os puxava, com cara de sapeca. Dali você já sabia quais primos sentiam cócegas, quais não ligavam e quais achavam meu-deus-a-dor-mais-insuportável-do-mundo.
Nunca entendi porque minha vó fazia isso, mas achava graça dessa mania. Hoje entendo que o verdadeiro estalador não se satisfaz em estalar apenas os seus dedos — afinal, após estalar todos eles, ele sabe que tem que esperar para conseguir repetir o feito —, mas deve catequizar todos a sua volta. Por que se contentar com dez dedos, se você pode ter vinte? Trinta? Vale o risco de perder a amizade.
Um dos mitos correntes é de que a prática engorda os dedos (você pode ouvir isso durante a súplica de alguém que resista às suas investidas). Isso eu não sei, mas venho de uma linhagem de estaladores e, se você olhar a minha mão, a da minha mãe e a da minha vó verá três gerações na sua frente, todas com as falanges do meio mais grossas que as da ponta. Coincidência?
Eu não pretendia comentar essa croniquice – embora o texto esteja ótimo. Adoro quando você comenta uma memória ou algo corriqueiro, de uma maneira simples, mas comovente e interessante -, mas o destino me obrigou. É que você se esqueceu de comentar sobre uma modalidade de seu esporte familiar, a modalidade “estralo extreme”.
Para praticá-la, basta fazer o que que fiz há pouco: chute o pé da cama com a mesma vontade que Roberto Baggio chutou a pelota para a arquibancada, em 1994. Você ficará surda por uns minutos – de dor -, de modo que não escutará a emocionante narração do Galvão (“É quebra! É quebraaa!!”), depois você aceitará que o choro é um recurso válido, mesmo entre os valentes. Horas depois atestará que o dedo médio do seu pé ficou preto e que você não consegue mais andar – você ficou manco, talvez pra sempre.
O único inconveniente é que entre uma sessão de estralo extreme e outra você talvez tenha que esperar semanas. Mas vale a pena: a intensidade se impõe sobre o desejo da repetição.
Vale a pena conferir!