Por Vanessa Henriques
Bloco lotado, calor arretado, cerveja pra-que-te-quero. Estava decidido a esquecer a ex, a anterior a ela e as tantas outras que nunca chegaram a ser ex-es. Tanta gente na rua, tanta folia, eu hei de esquecê-las, pensou — ainda que soubesse que só esse pensar já era, na verdade, um retrocesso.
Tudo ia bem, os amigos por perto, algumas meninas por quem tinha se interessado, até que a viu passar. Não era uma ex. Nem uma paixão platônica, dessas que ele colecionava. Não era uma amiga. Quem era ela? A peruca rosa black power com certeza não ajudava, mas ele conhecia aquele rosto, conheceria em qualquer lugar.
Não é possível que não se lembrasse. Pulava desritimado, tentando encontrar olho com olho, na esperança de que a memória ajudasse. Foi cerveja demais, pensamento demais, eu devo estar vendo coisas, constatou — ainda que soubesse que esse era mais um pensamento.
Vou me aproximar. Quem sabe mais de perto chego a alguma conclusão. Foi cambaleando pela rua, num disfarce que mais chamava a atenção. Olhou para as amigas que a rodeavam. Nenhum rosto familiar. Repassou todas as possibilidades de a ter conhecido: colega de faculdade, colega de trabalho, trabalha no mercadinho perto de casa, me deu aula de inglês, atriz famosa, irmã do amigo do amigo, baterista daquela banda, minha irmã. Nada.
Eu devo estar muito louco mesmo, essa cerveja é das boas, e o esquenta na casa do Pedrão ajudou a fazer estrago. Vamos analisar os fatos friamente: ela é bonita, tem um sorriso bem feito, não está com nenhum cara e eu estou bêbado a ponto de esquecer. Vou falar com ela.
Chegou meio calmo, meio agitado, cortando a roda em que ela estava. Abriu um grande sorriso, e foi correspondido. Quando viu, já estavam se beijando. Não lembrava do beijo, então definitivamente não era uma ex. O rosto ainda era um enigma, mesmo assim tão perto.
Criou coragem e perguntou.
— Desculpa, mas eu tenho a impressão de que te conheço de algum lugar.
Ela o olhou detidamente, ao menos o quanto seu olhar ébrio permitiu, e disparou:
— É, também tenho essa impressão.
De repente, como se tivesse levado um banho de água fria, ela se desvencilhou de seus braços num pulo:
— Se eu te conheço de algum lugar, e é carnaval, isso não pode ser coisa boa. Você deve ser um ex ou um amigo de amigo com quem já fiquei… e eu vim para esquecer todos eles.
Embrenhou-se na multidão, e logo o esqueceu nos braços de outro que passava, desta vez nada familiar. Ele ganhou mais uma ex para esquecer. É melhor seguir o cordão.