Eu e meus amigos temos uma tradição que já completou uma década: nos reunimos todo final de ano para uma ceia na casa de um de nós. Todos levam pratos festivos e característicos, como um arroz especial — há quem diga que é feito com mais do que especiarias — e um peru que chega à mesa em alto estilo. Para você ter uma ideia, rola até bingo com as prendas que guardamos com muito escárnio o ano todo, e uma retrospectiva com os vídeos mais queima-filme dos últimos 12 meses. Chamamos carinhosamente esta festa de Pré-Natal, já que ela acontece sempre antes da ceia dos adultos.
Todo Pré-Natal é especial e aguardado por todos, mas um deles ficou guardado na minha memória. Chamemos de Pré-Natal da multiplicação. Estávamos reunidos na casa de uma amiga, estufados de tanto comer, mas cheios de alegria pelo momento que partilhávamos. O escambo do bingo estava instaurado: um tentava se livrar de uma frigideira sem teflon, enquanto outro oferecia uma coleção de gibis da Mônica e um relógio em formato de guitarra.
Nos ajeitamos nas cadeiras para mais uma retrospectiva, já prontos para relembrar aquela alface no dente, uma frase infeliz dita numa pizzaria ou uma coreografia feita sob o efeito do álcool e da maresia. Eis que o projetista da vez coloca um vídeo estranho, escuro. Ao fundo, uma batida. Não tinha nenhum de nós ali, o que seria?
Era o coração do Nuno, fazendo as vezes de menino Jesus no que de fato virou um pré-natal. Estávamos diante do vídeo mais importante do ano, e talvez da década: o seu ultrassom. Uns mais rapidamente, outros mais devagar, se tocaram da grandiosidade da notícia. Foram muitos abraços e choros num tempo em que não precisávamos esconder as emoções atrás de máscaras. A tradição tinha ficado maior, ganhado mais vida e mais amor — e depois ganhou mais alegria, com a chegada de outros bebês que têm a importante missão de levar essa festa adiante.
Este ano comemoramos mais uma vez, ainda acanhados e desconfortáveis, mas ansiosos de trocar nosso carinho e algumas panelas velhas. E o Nuno já ganhou sua primeira prenda do bingo, anunciando que podemos ficar descansados quanto à longevidade desta celebração da vida.