Escreva que passa

Por Vanessa Henriques

Há tempos tenho ensaiado uma volta a esse espaço, tão empoeirado. Ainda faz sentido ser blogueira em 2023? Julián Fuks acha que não. Antes de ler o texto dele, andava pensando se a crônica ainda fazia sentido — para mim e para o mundo. Mas aí, sabe como é, a ideia também ficou dormindo na gaveta, e o Fuks não se fez de rogado em cravar o obituário.

Chega a ser patético concorrer com os algoritmos e a algazarra do Instagram ou do TikTok. A crônica combina com calmaria, ler jornal na mesa do café. (Ah, sim, o jornal também tá morrendo.) Não existe crônica na velocidade 1,5x. Ela não libera tanta endorfina quanto a gente suspeitava.

Pensei em me abrigar no quentinho do e-mail, quem sabe criar uma newsletter? Depois olhei para a caixa de entrada, lotada de newsletters não lidas, spams e muitos emails autoritários para mim mesma com um FAZER em caixa alta no assunto. Aí bateu a impostora, sempre ela, me lembrando que as newsletters que assino são tão boas que já cumprem com o propósito de trazer beleza e reflexão pro mundo, check, vamos pra próxima. 

Podia fazer a milionésima crônica com ajuda do chatGPT, uma jogada tão genial quanto batida, mostrando que os seres humanos não fazem cócegas na matrix. Crônica em podcast, em vídeo, nada parece encaixar, ai que preguiça. Sem contar que o que mais há para se falar nessa barulheira? 

Respirei fundo, deixei passar de 30 a 60 dias, e percebi que a crônica como verbo ainda tinha sobrevida. Ao narrar num longo áudio no WhatsApp uma história banal e extraordinária, ao mesmo tempo. Na cretina foto de prato de comida ou do cafezinho na sua xícara mais bonita. Na selfie no dia-de-cabelo-bonito. Ao se gabar para a sogra da orquídea que floriu novamente. Ao reclamar com o uber da bagunça que o recapeamento na avenida causa. 

Aprecie a beleza desta xícara, que nem minha é (Foto: acervo pessoal)

Bom, então o problema era comigo. Faltou criatividade e coragem para voltar a dar as caras, nem que fosse para tocar o violino do Titanic. Ainda tá faltando, nesse momento. 

Aí veio a frase: escreva que passa. Uma amiga contava sobre o perfil que criou durante a pandemia, para exorcizar a ansiedade e o pânico daqueles dias. Lembra quando escrever era gostoso? Faz tempo, né?

Resolvi que era tempo de escrever para passar. Ou passar a escrever. Meter um FAZER CRÔNICA na caixa de entrada. Se for pra matar a crônica, a blogueira, a escritora (arrepios), que seja com dignidade, não num abandono envergonhado, não intencional.

Se não passar, ajudo a treinar a próxima inteligência artificial que tá aí vivendo da sua arte enquanto a gente se mata trabalhando. É, vou ter que escrever. Vocês não precisam ler, eu digo pro eco das paredes. Não agora. Deixa eu voltar a pegar no tranco. Quando ficar bom, eu volto a gritar alto nos stories e posts empilhados debaixo dos dedos.

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